terça-feira, junho 07, 2011

Regresso ao passado, parte 2: Luís Amado

O objetivo da Comunidade Económica Europeia foi a criação de um espaço económico e social homogéneo, condição achada necessária para a segurança e paz internas e premissa para a independência e desenvolvimento sustentado do bloco. E, por que não, para vivermos todos melhor.

A nossa adesão à comunidade, depois de meio século de corporativismo e dependência colonial, e um decénio de indefinição revolucionária (o que se poderia considerar o nosso «choque socialista»), requeria algum amortecimento aos efeitos da súbita exposição ao mercado comum, composto de economias mais desenvolvidas. Tinham-se pois criado vários mecanismos de adaptação - programas de construção de infra-estruturas e modernização da indústria, fundos participados para o desenvolvimento de competências, apoios ao comércio e subsídios vários de reconversão da agricultura, pescas, turismo, etc.

Infelizmente, a utilização do que deveria ter constituido uma ajuda e uma preparação para o futuro foi completamente subvertida pela máfia local, e com a cumplicidade indiferente da máfia comunitária. O que se passou a seguir é do conhecimento público: por um lado, as potências agrícolas (e piscatórias) europeias, se tanto, estavam mais interessadas em explorar recursos comuns que vir um dia a competir em igualdade com o setor primário nacional (ainda que essa competição se limitasse ao bolo de subsídios); por outro, a burgessia do empresariado português, à boa maneira salazarista, olhou concupiscente para as ajudas comunitárias como uma nova e choruda oportunidade de subvencionar sem esforço o seu próprio enriquecimento.

Sob o consulado e benção de Cavaco, e apesar do relatório Porter encomendado por Mira Amaral, a estratégia da indústria portuguesa baseou-se na redução de custos existentes, encaixe de subsídios e absorção de despesa para as obras públicas de infra-estrutura. A mão-de-obra, apesar dos famosos cursos do Fundo Social Europeu, não deixou de ser barata - e agora até podia ainda ser mais, pela comparticipação associada; a inovação, quando aconteceu, foi limitada ao que poderia baixar custos (informatização, automatação), sendo que a transformação de baixo valor acrescentado continuou a representar o grosso da produção nacional (téxteis, sapatos, cortiça). Os colossos da construção civil, intimamente ligados ao poder, também tiveram aqui a sua génese ou agigantamento, quer por força das auto-estradas e aeroportos determinados por Bruxelas, quer pelas obras de regime (no que foi imitado em menor escala mas com igual entusiasmo pelas autarquias), quer ainda pela espiral descontrolada do crédito à habitação. Estavam criadas as condições para a estagnação futura da economia, assim que a generosidade comunitária acabasse e a união monetária entrasse em vigor.

Dentro dos limites da racionalidade, o «choque liberal» de que fala agora o ex-ministro socialista teria de ter acontecido após a entrada para a C.E.E.. Não foi assim porque nunca as forças vivas da terra tiveram quaisquer anseios liberais, preferindo seguir a tradição nacional de viver à sombra protetora do Estado, na altura já com a vantagem de, em democracia e numa Europa sem fronteiras, não lhe dever nem obediência nem retribuição. O "liberalismo" destes de agora - e muitos serão os mesmos - não será diferente, com a agravante que o nosso Estado está menos autónomo, mais enfraquecido, mais pobre e com menos recursos a pilhar. Não é, por isso, um «choque liberal» aquilo que se anuncia mas sim uma liquidação total.

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